"A reportagem é um género nobre que tem sido mal tratado em Portugal"
"A reportagem é um género nobre do jornalismo que tem sido muito maltratado em Portugal. Não há ilusões aqui", desabafa Micael Pereira, do semanário Expresso. "Tem que ver com a responsabilidade social. Da mesma forma como temos hospitais e escolas, também precisamos de ter reportagens", frisa, por seu lado, Ricardo Rodrigues, jornalista da Notícias Magazine, a revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias. "A reportagem é um género jornalístico necessário para podermos compreender o mundo. Não o compreendemos se não houver alguém que nos explique as coisas que viu, em vez de estarmos dependentes dos repórteres locais ou das agências. Temos de encontrar um modelo económico que viabilize a reportagem, porque é o género que mais sofre e o mais frágil desse ponto de vista. E é um conteúdo de serviço público. Há que pensar soluções que possam ultrapassar a lógica do mercado", acrescenta, por sua vez, Paulo Moura, do jornal Público.
Todos eles são profissionais experientes no que toca à reportagem há vários anos e foram eles os protagonistas da tertúlia organizada pelo DN sob o tema "Reportagem", a reboque dos 150 anos deste jornal, e que decorreu ontem à tarde no Pavilhão de Portugal, no Parque das Nações, sob moderação de Mónica Bello, diretora adjunta do DN.
Quais poderão ser, então, as soluções para combater o desinvestimento geral dos media neste tipo de jornalismo? "Talvez o Estado devesse subsidiar as reportagens, como nos EUA. Lá, alguns órgãos de comunicação são subsidiados para fazerem jornalismo de qualidade e investigação. Ou talvez empresas, mecenas ou instituições poderão financiar a reportagem no futuro. Isso também já acontece no mundo e com o projeto Público Mais, do Público. É um fundo que existe em que se convidam empresas que dão uma certa quantia por ano para se fazer reportagem, trabalhos de investigação relacionados com a ciência, a educação e o ambiente, não existindo interferência editorial das mesmas", diz Paulo Moura.
Para um jornalista, conta Micael Pereira, do Expresso, ser repórter não é tarefa fácil. "Implica resiliência, capacidade de lidar com várias frustrações e muita vontade de fazer". Mas, acrescenta, o retorno é muito maior do ponto de vista da realização pessoal e profissional. "Fazer reportagem é sentir-se bem, é sentir-se sincronizado com o mundo. É muito diferente ir para o terreno e viver estas experiências na pele e ao vivo do que escrever sobre elas à distância, por melhor que sejam os textos", contou o jornalista.
"O que nos fascina na reportagem é concentrar um troço de humanidade numa história. Parte de um pormenor mas deve ter muitas camadas de leitura", adianta Ricardo Rodrigues, da Notícias Magazine, acrescentando: "Hoje em dia, há cada vez mais freelancers a fazer reportagem, vão para o terreno à sua custa, sem o apoio de um jornal e vão à procura de uma boa história para vender." Paulo Moura concorda. "Vê-se muito agora nos conflitos no Médio Oriente. Pessoas que não são jornalistas, sem formação, vão para estes sítios tentar a sua sorte e conseguir uma história. A tecnologia já permite isso. Só é preciso um voo low cost e um iPhone."